As rugas que tem por toda a cara, a pele queimada e o ar rude mas ao mesmo tempo cheio de afecto, as mãos já secas, de dedos grossos, testemunhas de uma vida de histórias que sempre conta quando conhece alguém, fazem ficar ali, imóvel a olhar para ele, a ouvi-lo. Faz acreditar no que diz porque o diz com convicção, porque conta histórias onde apetece entrar. Fala sobre coisas simples, tão simples que esquecemos que a vida antes era assim e que, agora, não o é porque perdemos mais tempo à procura do que nunca vem, do que a viver o que já cá está.
No meio de uma qualquer história, de repente, diz:
- Imagina uma laranja.
- Uma laranja? - responde, algo perplexo, sem perceber que raio tem uma laranja a ver com o que ele conta? - Está bem. Uma laranja... já está.
- O aspecto não é o melhor, não tem aquela cor brilhante das laranjas dos supermercados, mas sabes, é daquelas doces que encontras nos pomares das aldeias. Olha para ela, é uma laranja comum, como tantas outras, com uma cor baça, mas muito redondinha e mais pequena que as que habitualmente compras. Corta a laranja. É das de casca fina, como as mais saborosas sempre são.
- Sim, dizem que sim.
- Espreme-la directamente para a boca. Sabe bem, é doce, muito doce. Já não te recordavas de um sabor assim. As do supermercado não sabem assim. Vais espremendo lentamente. Tens que sentir cada gota que te cai na boca, saboreando cada momento. Sabes que tens que ser paciente, que ser delicado, para que não percas nenhuma gota.
- Nunca espremi nenhuma laranja directamente para a boca. Parece estranho.
- Pois, mas não é. Além disso, é um momento só teu. Em que longe de tudo, longe de todos, aproveitas todo o tempo que tens para saboreá-la. Há, no entanto, uma coisa que deves saber fazer.
- O que é?
- Deves saber quando parar.
- Quando parar? Paro quando não cairem mais gotas de sumo!
- Errado. Uma laranja vai sempre ter mais uma gota. É essa que tens que evitar. A partir de certo momento, a laranja vai largar o sumo da casca. De tanto a apertares ela vai ceder, como cedeu no início, quando te deu o seu sumo doce. Nessa altura ela vai-te dar um sumo amargo, o da casca. E aí, quando parares o sabor que te vai ficar na boca é o amargo da casca. O pior é que é também esse o sabor que irás recordar mais tarde. Por muito doce que tenha sido o sumo da laranja, só ficarás na boca com o amargo. Se não parares a tempo, terás que saber apreciar o sabor amargo.
- Refere-se à vida?
- Não. Ainda não comecei a viver o sabor amargo da casca, para mim ainda só existe o sabor doce. Mas poderia ser sobre a vida.
- Pode também ser sobre um relacionamento.
- Sim. mas também não é sobre isso. É sobre uma laranja.
- Oh! Não me contou esta história só por causa de uma laranja.
- E porque não? As coisas simples também fazem parte. Mas tens razão. Chamemos-lhe momento. Na nossa vida devemos saber aproveitar o momento como aproveitamos o sabor da laranja. Podemos mesmo arriscar. Podemos conseguir viver com o sabor amargo e, até, aprender a gostar do amargo, só que nós fomos feitos para apreciar melhor o doce do que o amargo. Por isso, na maioria das vezes, procuramos o que é doce e evitamos o que é amargo.
- E se, sem depender de nós, acabarmos por provar o sabor amargo?
- Depende sempre de nós. Ou porque escolhemos mal a laranja, ou porque a esprememos mal.
- Não concordo. E, pensando bem, não sei se esta história pode ser comparável a um momento. Não podemos beber duas vezes o sumo da mesma laranja...
- Nenhum momento se repete. Não te convenças do contrário. Só saboreias uma vez o sumo de uma laranja, mas podes várias vezes tirar a laranja da mesma árvore, do mesmo ramo, do mesmo galho. Tantas vezes quantas a laranjeira der laranjas, que é basicamente enquanto vive.
- Então o melhor é tentar acertar sempre na melhor laranja e usar da experiência para saber quando parar.
- Hum... nunca te esqueças de escolher a melhor laranjeira. Mesmo nos piores anos, vai-te dar sempre melhores laranjas...